sexta-feira, 3 de abril de 2009

Radiohead resvala a perfeição em São Paulo

Quase duas semanas depois, ainda me arrepio com as lembranças do dia 22 de março, quando cerca de 30 mil pessoas de todas as partes do país lotaram a Chácara do Joquey, em São Paulo, para presenciar uns dos acontecimentos mais surreais que já se teve notícia por nossas humildes bandas latinas.

O festival Just a Fest, também realizado dois dias antes no Rio de Janeiro, escolheu aquela como a segunda data para presentear míseros mortais brasileiros com uma noite improvável. Como se não bastasse a proeza de trazer pela primeira vez ao Brasil a mais cultuada banda do universo pop contemporâneo, o Radiohead, o evento elevou o “cast” de atrações a patamares de sonho ao incluir mais dois shows pra lá de especiais para a abertura, com os cariocas Los Hermanos e o grupo alemão Kraftwerk.

Tudo bem que o Los Hermanos, o único grupo brasileiro de talento incontestável dessa década, faria o seu primeiro show depois de um “recesso” de dois anos, e que o Kraftwerk, considerado o pai da eletrônica, é uma entidade essencial para história da música. Mas o que importava mesmo é que ali, naquele pasto lamacento, seria o lugar onde veríamos o primeiro show do Radiohead de nossas vidas, em sua primeira turnê pela América Latina, no auge técnico e criativo, depois de conquistar um posto sagrado no rock em quase 20 anos de carreira.

A possibilidade de ver o quinteto de Oxford por aqui fez os fãs urrarem de felicidade e encherem-se de expectativa para o então já aclamado “show do ano”. Amigos vieram de longe para conferir, a mídia fez furor com a apresentação mais aguardada por toda uma geração de brasileiros. Caso houvesse alguma coisa errada, nossa decepção seria grande, muito grande.

Os cariocas
O Los Hermanos foi o primeiro a subir ao palco, ainda no fim da tarde. Fizeram um show despretensioso, alegre e festivo, digno de uma reunião de velhos amigos que só queriam aproveitar o momento. “Quanta gente, isso aqui tá lindo demais”, confessou uma hora Marcelo Camelo. “Viva a alegria!”, gritou Rodrigo Amarante confessando o astral.

Afinados como se a banda nunca tivessem parado e visivelmente emocionados por voltarem a tocar juntos e pela honra se serem os únicos brasileiros a participar da ocasião, eles fizeram um ótimo show. Os fanáticos fãs de sempre puderam matar a saudade esgoelando as 13 músicas do repertório, que alternou músicas todos os seus álbuns - só o equivocado primeiro disco foi, sabiamente, ignorado. Entre outras, rolaram “Todo Carnaval tem seu fim”, “Sentimental”, “Cara estranho”, “Último romance”, “O vento”, “Morena”, além de “Retrato pra Iá-Iá”, a melhor música brasileira já lançada nesse século, e até a francesa “Cher Antoine” (que, até a edição no Rio, nunca tinha sido tocada ao vivo).

Os alemães
O Kraftwerk veio em seguida mostrando que está longe de soar antiquado, mesmo mais de 30 anos depois de criar os pilares da música eletrônica. Pelo contrário. Armados de seus laptops, os integrantes não precisaram sair do lugar para "digitar" antigos clássicos e comprovar que ainda são vanguarda pura, principalmente no quesito espetáculo audiovisual. Foram tocados hinos como “The man-machine”, “Autobahn”, “The model”, “Radioactivity”, “Musique non stop” e “The robots” - quando foram literalmente substituídos por quatro robôs no palco.

Muitos ali não conheciam muito o trabalho do grupo e uma boa parte do público, inclusive eu, acompanhou em silêncio contemplativo, apenas deixando-se hipnotizar pela junção perfeita entre o som e as animações no palco e telões. O cenário enchia os olhos, bebendo tanto da estética retro como do design moderno.

Ao mesmo tempo, os alemães conseguiam superar a banalidade de um mero show eletrônico com requintes de intelectualidade, transpondo a música para os meandros da pira conceitual, usando a tecnologia para questionar a relação entre homem e máquina e afetando a platéia com o poder de uma bela obra de arte. Para quem teve um pouco de boa vontade, foi uma apresentação assustadoramente atual e cheia de sentido.

Os ingleses
Quando os membros do Kraftwerk se despediram, só uma angustiante espera nos separava do momento da verdade. Depois de um bom suspense, tubos verticais de luz se arrastaram das laterais até o meio do palco para formar o cenário da apresentação principal. O público, que começava a se espremer na linha frente, explodiu em gritos com o começo da preparação. Eu estava a menos de quinze metros do palco e a ficha começava a cair. Puta que pariu, ia começar o show do Radiohead.

De súbito, surgiu um som de introdução e as luzes finalmente se acenderam para decretar o início do show. O público inflamou em êxtase e não demorou para se formar um mar de celulares e câmeras fotográficas sobre minha cabeça. Vieram as primeiras batidas de “15 steps”, do novo disco, “In Rainbows” (2007), e eu só lembro que não parava de gritar. O vocal de Thom Yorke entrou totalmente abafado pela multidão. Logo Jonny Greenwood arpejou sua guitarra e abriu alas para os demais instrumentos encorpar a música de vez.
Do caralho.

Depois veio a delirante “There, there”, de “Hail to the Thief” (2003), e seus tambores mântricos. Meninas choravam, marmanjos berravam, todos os fiéis rezavam a missa em completa catarse. As luzes do cenário, um espetáculo à parte, explodiam acompanhando a pegada e transformava tudo em uma rave fantástica. Raios coloridos entravam direto em nossas mentes e não deixavam ninguém parar de pular.
Era só o começo.

O show seguiria por mais de duas horas com canções de toda a carreira da banda, tocadas com uma fidelidade espantosa às versões em estúdio. Foi uma verdadeira avalanche de hits, percorrendo tanto as fases roqueiras como as mais experimentais. Nenhum álbum ficou de fora do set, que contou com 26 músicas e três bis. Eu disse três bis.

Além de todas as músicas do novo disco, com destaque para “Weird fishes/Arpeggi”, “Jigsaw falling into place”, “Reckoner” e “Videotape”, também vieram “Climbing up the walls”,“Exit music (for a film)”, “Lucky”, “Pyramid song”, “Everything is in the right place”, "Idioteque", a belíssima “Talk show host” (da trilha do filme “Romeo + Juliet") e muitas outras.

Atualmente, nenhuma banda tem o poder de encanto e uma harmonia de palco tão natural como o Radiohead. Thom Yorke (vocais, guitarra, piano) cantava e tocava como nunca, dançava freneticamente e até arriscava uns "obricatos". Jonny Greenwood (guitarra) era o autista alucinado de sempre no lado direito. Ed O'Brien (guitarra) era contido, meticuloso e só sorrisos no lado esquerdo. Enquanto que, lá atrás, Colin Greenwood (baixo, sintetizador) e Phil Selway (bateria, percussão) completavam a cozinha mais inebriante do rock moderno.

O primeiro grande baque foi com
“Karma police”, quando o clássico disco “OK Computer” (1997) finalmente surgiu no set. Foi nela que presenciei um dos momentos mais vigorosos e arrepiantes da ocasião, quando todos urraram as próprias tripas venerando a redentora melodia no final da canção que embala a frase “for a minute there, I lost myself” (“Por um minuto lá, eu me perdi”). Nada mais conveniente.

Mas quando a banda tentou matar todo mundo do coração emendando dois de seus maiores hits, foi a vez do público virar protagonista e promover o auge da noite. Assim que acabou “Paranoid android”, a platéia, em estado de graça, resolveu continuar a música por conta própria em um coro emocionante. Thom Yorke saiu do protocolo pela única vez no show e acompanhou a multidão no violão improvisando um vocal indecifrável. Em seguida, bateu os acordes de “Fake plastic trees”, criando gritos de “puta que pariu” por toda a Chácara do Jockey.
Foi desnorteante, mágico, coisa de sonho.

Quando já não precisava provar mais nada, o Radiohead ainda mostrou que sabe usar seu cenário com simplicidade e beleza tocantes. Em “You and whose army”, Thom embalou seu ode anti-guerra com a cara enfiada em uma espécie de webcam que mais parecia querer engolir seu rosto. Sinistro e lindo. E, surpreendendo a todos depois de 25 músicas, a banda ainda voltou para o terceiro bis e fechou o absurdo tocando o seu primeiro sucesso, “Creep”, que raramente aparece em seus shows.

Depois disso, as pessoas andavam atordoadas, perturbadas, cambaleantes no caminho de casa, como que tivessem sofrido um curto no cérebro. Se alguém ousava falar alguma coisa, era pra dizer que aquilo estava entre as melhores experiências de sua vida. E só.

Confira abaixo o repertório completo:
PARTE 1: “15 step”, “There there”, “The national anthem”, “All I need”, “Pyramid song”, “Karma police”, “Nude”, “Weird fishes/ Arpeggi”, “The gloaming”, “Talk show host”, “Optimistic”, “Faust arp”, “Jigsaw falling into place”, "Idioteque", “Climbing up the walls”, “Exit music”, “Bodysnatchers” BIS 1: “Videotape”, “Paranoid android”, “Fake plastic trees” (substituiu “Wolf at the door” de última hora), “Lucky”, "Reckoner” BIS 2: “House of cards”, “You and whose army”, “Everything is in the right place” Bis 3: “Creep”

Veja
aqui os melhores momentos na transmissão do Multishow.

6 comentários:

Markito disse...

arrepiante o texto, luisin...

ainda bem que vc disse que era macaco véio e que não ia se emocionar, né?

a mina do meu trampo gravou o show do multishow em dvd... se quiser, dá um toque.

abrasss

L. disse...

uhh! quero.

Anônimo disse...

"Foi desnorteante, mágico, coisa de sonho."
faço suas palavras as minhas....


surreal....




muito bom o texto macula....

L. disse...

valeu!

Dai D. disse...

minino, tava aqui lendo (veja a data) e já se passaram tantos dias... revivi a parada. du caralho, nego!

L. disse...

massa, essa foi a intenção, Dai.